Há muito se tem uma concepção atrasada de que o RN é um estado pobre, especialmente em decorrência da seca que atinge o nordeste brasileiro. Na verdade, em cerca de 60% do Rio Grande do Norte, predomina o clima semi-árido, avançando até o Litoral Norte do Estado, caracterizado por sua precipitação pluviométrica, em torno de 400 a 600 mm por ano, distribuídas as chuvas nos meses de janeiro a abril. São regiões sujeitas à seca e com maior influência dos ventos alísios secos do Nordeste, que incidem no Litoral Norte e se interiorizam pelo território potiguar.No mundo todo se fala do aquecimento global, com o consequente derretimento das geleiras e a elevação do nível dos mares, que ameaça desalojar bilhões de habitantes das zonas litorâneas. Por outro lado, há o esgotamento das reservas de água potável do planeta. Em outras palavras, estamos chegando à mesma situação extrema de um náufrago, que se vê com água por todos os lados, mas sem nenhuma gota para beber.
Relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) repetem o diagnóstico cada vez mais alarmante: mais de 1 bilhão de pessoas - o equivalente a 18% da população mundial - não têm acesso a uma quantidade mínima aceitável de água potável, ou seja, água segura para uso humano. Se nada mudar no padrão de consumo, dois terços da população do planeta em 2025 - 5,5 bilhões de pessoas - poderão não ter acesso à água limpa. E, em 2050, apenas um quarto da humanidade vai dispor de água para satisfazer suas necessidades básicas.
A escassez de água não ameaça apenas com a sede. Traz a morte na forma de doenças. Segundo a ONU, 1,7 bilhões de pessoas não têm acesso a sistemas de saneamento básico e 2,2 milhões morrem a cada ano em todo o mundo por consumir água contaminada e contrair doenças como diarréia e malária.
A água potável é um bem raro por natureza. Quase 97,5% da água que cobre a superfície da Terra é salgada. Dos restantes 2,5%, dois terços estão em estado sólido, nas geleiras e calotas polares - de difícil aproveitamento. A maior parte da água em estado líquido encontra-se no subterrâneo. Lagos, rios e lençóis freáticos menos profundos são apenas 0,26% de toda a água potável.
É dessa pequena fração que toda a humanidade (e boa parte da flora e fauna) depende para sobreviver. É claro que, a princípio, fontes não deveriam esgotar-se, com o ciclo da água garantindo a permanente renovação do volume de rios, lagos e lençóis freáticos por meio das chuvas, originadas pela evaporação dos mares. A água está em eterna reciclagem, há bilhões de anos. A questão é o descompasso entre o tempo necessário para essa renovação e o ritmo em que exploramos os recursos hídricos.
Nesse cenário, vemos que a região semi-árida do RN que cobre mais da metade de todo o estado, pode sim contribuir com a realidade global e mais ainda, pode produzir muito se soubermos utilizar bem as águas das chuvas, o contrário do que ocorre atualmente com a subutilização dessas águas que em sua maioria são evaporadas.
Apesar de ser um dos principais projetos do Programa Fome Zero, do ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Projeto de Cisternas não foi uma iniciativa do governo, mas da sociedade civil organizada. Ele foi concebido pela Articulação no Semiárido (ASA), uma união de 700 instituições não-governamentais, criada em 1999 e as primeiras cisternas foram feitas em 2000. Elas são importantes, especialmente porque em boa parte dos casos, conseguem garantir água potável para atender as necessidades alimentares de famílias com até cinco pessoas, mas insuficientes do ponto de vista da produção agroecológica. Vamos ampliar o número de cisternas residenciais, mas também vamos avançar no tocante ao desenvolvimento agroecológico a partir da otimização das águas da chuva.
Nesse marco, vamos construir 50 mil cisternas calçadões (cisternões) e perseguir o objetivo de estocar cada gota d’água. Famílias e mais famílias poderão produzir seus alimentos com a água captada pelos cisternões. Esse modelo já vem sendo utilizado fortemente em países como a Austrália onde 20% da população sobrevive somente com água da chuva. A iniciativa chegou ao Brasil, como projeto piloto em 2007, em quase todos os estados da região nordeste. Mas, precisamos ousar e ampliar essa experiência por demais vitoriosa.
A cisterna calçadão armazena pelo menos 52 mil litros d’água/ano que pode ser utilizada para produção de fruticulturas e hortaliças viáveis em terrenos pequenos. Também é importante lembrar que, às vezes, a família tem dificuldade para secar o feijão, por exemplo, e acaba perdendo a produção. Então, o calçadão também serve de espaço para secagem de alimentos.
O objetivo central do projeto é irmos além da captação de água de chuva para o consumo humano, avançando para a utilização sustentável da terra e o manejo adequado dos recursos hídricos para produção de alimentos (animal e vegetal), promovendo a segurança alimentar e a geração de renda. Poderemos ter grandes pomares ao redor de cada cisterna calçadão.
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