Por Heloísa Helena
A Conferência Global sobre Trabalho Infantil – realizada em Haia (Holanda) – reuniu mais de 450 delegados de 80 países que concordaram em assinar um documento caracterizando a importância da abolição do trabalho infantil como uma “necessidade moral”. Algumas metas foram estabelecidas para a superação do grave problema e muito especialmente a que estabelece o ano de 2016 como data limite para a erradicação do trabalho infantil no mundo. A Organização Internacional do Trabalho e várias entidades classificaram como urgentes todos os casos relacionados a qualquer forma de escravidão como prostituição infantil, tráfico e uso de crianças em conflitos armados e atividades ilícitas como a produção e repasse de drogas. Afinal, crianças não são despojos de guerras sujas!
No Brasil as estatísticas oficiais apresentam o número de quase cinco milhões de pequeninos seres humanos submetidos ao trabalho infantil. Desses mais de trezentos mil sofrem acidentes de trabalho com percentuais alarmantes de mutilações, incapacidades permanentes e mortes. Em Alagoas os dados são abomináveis e estarrecedores e vinculados diretamente às condições infames de indigência humana e vulnerabilidade social das famílias. Poucos municípios construíram seus Planos de Erradicação do Trabalho Infantil – e quase nenhum conseguiu de fato implementar. Tive a honra de participar da elaboração do Plano de Maceió coordenado pela Assistente Social Ana Tojal, com ampla participação das forças vivas da sociedade e com todo rigor técnico e compromisso social nas propostas objetivas construídas. Foi elaborado no começo de 2010 e até agora não foi aprovado pela Câmara Municipal.
Em cada uma das regiões do Brasil - ou conforme as especificidades da economia local ou da miséria social nos estados - identificamos a indignidade da exploração de crianças e adolescentes e ao mesmo tempo a extrema angústia de quem tem compromisso com a causa e conhece todo o arcabouço jurídico que a elas confere o direito à vida digna e a mudança dos seus destinos. Porque nós sabemos que muitas das perdas ao longo das nossas vidas podem ser repostas ou substituídas em outra fase... mas a Infância nunca poderá ser restituída a quem a teve roubada ou mutilada. Assim sendo, registro a minha homenagem emocionada a todas (os) que continuam a lutar e neste momento especialmente a Profa. Cláudia Malta a quem as imensas e tristes dores do lúpus apenas agigantaram o seu compromisso social.
Nas florestas da Amazônia... correm crianças, como se pequenos duendes fossem, rapidamente fazendo estrias nas árvores para o sulco, colocando sacos para resina escoar, com as mãozinhas grudentas de goma ou cheirando a diesel usado para limpeza... ou se arriscando em pequeninos barcos rio acima rio abaixo comercializando pequenas coisas ou ainda com os olhos queimados pelo óleo da castanha... ou usadas sexualmente e covardemente como se mulheres adultas fossem mas nem pequenas bonecas tiveram para viver a infância!
No trabalho da agricultura em várias regiões... mãos infantis marcadas pelo ácido da laranja, mutiladas pelas foices nos canaviais, colhendo folhas de chá ou fumo ou frutas, aplicando veneno e carregando imensas caixas. No serviço doméstico crianças são usadas como força de trabalho barata e exploradas na iniciação sexual dos filhos dos donos da casa em que trabalham ou abusadas sexualmente por bandos de adultos criminosos que contam com a impunidade para os ocultar. Nas sufocantes e quentes carvoarias que mais parecem uma cratera de vulcão... Nas olarias alimentando o moinho, britando pedras, empurrando carrinhos pesados ou inalando os resíduos de pólvora... Na fabricação de louças e porcelanas com suas mãozinhas delicadas e depois com alvéolos pulmonares petrificados pelo pó de sílica e sem nenhuma alternativa de superação dos problemas respiratórios decorrentes.
Nas cidades e nos lixões onde brincam e dormem junto à combustão do lixo, disputam comida ou sonham com um brinquedo, morrem soterradas por tratores e caminhões... e nas feiras com carrinhos, nos sinais de trânsito, nas ruas das madrugadas vendendo pequenas flores, no turismo sexual das criminosas redes de pedofilia ou sendo utilizadas como aviãozinho e mão-de-obra escrava do mundo maldito do narcotráfico e estimulados a serem usuários para que a rede não seja desmantelada.
Mas o mais doloroso – para quem não faz parte dos bandos de políticos ladrões que sobrevivem como parasitas da miséria humana – é conhecer todas as conquistas da ordem jurídica vigente e todas as alternativas para a superação desses graves problemas. Das propostas objetivas para a independência econômica dos jovens e adultos das famílias vulneráveis socialmente - com a necessária capacitação profissional e inserção em arranjos produtivos viáveis economicamente - até as alternativas de educação, música, esporte e cultura para que as nossas crianças possam ter assegurado o direito de vivenciarem a riqueza emocional da infância.
Tomara que cheguem logo os dias em que todas as crianças possam ser crianças! E que possam rir alegremente e que os seus olhos tristes sejam apenas marcas do passado nos registros fotográficos! Como dizia o poeta “A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados... às vezes por ver que a terra não muda... mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e abre-me todas as portas da vida!”
* tweet: @_Heloisa_Helena / Email: heloisa.ufal@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário